sexta-feira, 20 de julho de 2018

AMBRÓSIO E O VISTO PARA A LIBERDADE


- Oh mãe, não achas que o Ambrósio quer sair desta gaiola tão pequena? 

- Sair da gaiola?? Porquê, filha? Aqui tem tudo o que precisa e se o soltássemos certamente morreria...está aqui desde que nasceu...

- Já nasceu preso foi?

- Não filha, não estás a perceber...na verdade nasceu como nós, livre, mas...para viver numa gaiola...há animais assim...

Silêncio.

- Oh mãe, então, mas ele é livre, estando preso?

- Ai filha, tanta pergunta…olha, é feliz assim, pronto!
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Desde muito pequenino o pobre Ambrósio foi enfiado numa gaiola na marquise da nossa cozinha.
Os seus acordes matinais, relembravam as nossas células de como seria bom viver no campo e poder acordar ao som livre dos passarinhos.
Como compensação, tinha diariamente, alpista de qualidade superior, água fresca  e com um pouco de sorte era transportado até perto da janela onde podia deliciar-se a bronzear as suas penas amarelas.
Eu, observava-o ao sol.
Apesar de ter tudo, a sua essência era voar...e a verdade é que tantos anos passados, só podia esvoaçar dentro daquela realidade de ferro, dom poleiro para a base e da base para o poleiro.

Um dia ao abrimos-lhe a gaiola, escapuliu-se.
Talvez tenha sido o dia mais assustador da sua vida.
Esvoaçou amedrontado para o outro lado da cozinha, ficando imóvel em cima do armário, apesar dos histéricos gritos da Rosa, nossa “Fadinha do lar”, que acenava freneticamente com o vermelho pano da loiça, na esperança que assustado Ambrósio regressasse para baixo e humildemente se entregasse de novo à sua “pena-de-prisão-perpétua”.
Pude ver-lhe os olhos esbugalhados de medo, maiores do que a própria cabeça, quem sabe a alcançarem a possibilidade de novos voos, após tantos anos de cativeiro.
Mas, (parece existir sempre um “mas” em tudo), neles residiam as suas duvidas também - estaria ele preparado para voar sem destino, para beber água das poças da rua, ou pior ainda defender-se de espécies que o quisessem comer?

Curioso, parecia estar a acordar de um sono profundo, para um pesadelo maior.
Afinal, tal como a prisão a liberdade tem o seu preço.
Um preço alto muito alto. O preço da responsabilidade sobre si-próprio, sobre as suas escolhas e decisões.
Foi então que levantou voo.
Um voo atormentado e confuso.
Assustado com a grandeza da liberdade Ambrósio decidiu voltar, deixando-se inocentemente agarrar pelo pano vermelho da Rosa.
- Já te caçei, malandro - disse convicta a Rosa, tornando seu todo o mérito da “caçada”.

Encolhido, Ambrósio voltou para trás das grades.
Afinal, tinha tudo para ser feliz. Boa cama, boa mesa, boa água e até baloiço.
Podia cantar, ainda que não no seu tom.
Era quem queríamos que ele fosse, e isso parecia bastar-lhe.
Cobarde, tinha tudo.
Excepto a liberdade de, sendo pássaro poder VOAR!

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