A CARTA QUE SINTO O MEU NETO ME ESCREVERIA

Vóvó querida,

Olho-te deste sítio magistral onde em espirito me encontro e percebo-te a chorar. Na terra habituámo-nos a chorar as partidas e a regozijarmo-nos com as chegadas. Confesso-te que, neste plano e bem vistas as coisas, nada de mais ridículo pode haver. Afinal, toda a chegada marca indiscutivelmente uma partida, bem como toda a partida, nos leva no sentido de uma nova chegada.

Talvez por isso, quero relembrar-te que não é por mim que choras, mas sim pelo apego que ao meu corpo tinhas.

Mas eu Vóvó, fui e serei sempre muito mais que um corpo.

Tu sabe-lo, porque saber é sentir. E, foi assim que neste mundo sempre sentiste. 

A minha partida apenas te veio relembrar intrínsecas coisas vitais, que a vida mundana nos faz esquecer.     

Confesso-te até que, esta luta constante que os humanos têm entre a matéria e o espirito, sempre me deixou boquiaberto. Estar na Terra é bem mais complexo do que estar aqui onde hoje em paz me encontro.

Há quem lhe chame céu, há quem lhe chame paraíso e há até quem não lhe chame nada. Que importam os nomes, se o inominável é o que se sente muito para além do que se vê?  

A alma que sou é eterna e o corpo que escolhi como veículo apenas se adiantou ao teu neste regresso a casa. Esta poderá até ser mais uma das nossas brincadeiras - cortei a metaaaa antes de tiiiii vóvó!!! :-) 

Mas o mais importante mesmo é a nossa grande aprendizagem. Por isso se fores muito honesta CONTIGO Vóvó, perceberás com este meu “adiantamento” que nem sequer um intervalo temporal nos separará, pois só o meu corpo partiu EU estou e sempre estarei AQUI.

Então, o que temes afinal?

Presença é presença.

Não queiras vestir a casaca daqueles que não tocam o espirito e desabam num luto negro sem abraçar a pureza branca que é a paz de partir.

Honra a tua dor, porque és matéria.

Mas não te distraias.

Porque a dignidade não está a dor, mas sim na paz que sentes por saberes nas tuas células que passamos pela terra, mas pertencemos ao céu.

Não deixes que a dor tome conta de ti, aprende a seres tu a tomar conta dela.

A acolhê-la, a atravessá-la, a gastá-la com a mesma simplicidade com que gastas o shampoo que tens na tua banheira.

A vida é muito simples, Vóvó.

Foi isso que te vim relembrar no tempo que me foi destinado na terra.

Confesso-te que até me ri, quando escutei alguém dizer que parti cedo demais.

Os cronómetros humanos a quererem sobrepor-se ao propósito intemporal da alma, mas ao mesmo tempo a perceberem que nada controlam.            

Sei a importância que dás à Vida, por isso quero que saibas que me CUMPRI.

Fui até aí, numa viagem muito bem definida.

Levar-vos a VERDADE, o AMOR e a VIDA, tal como fez o Mestre Jesus.

A ti, especialmente relembrei-te a pureza contida na inocência de ser quem se é, sem rebuscações ou jogos.  

Dotado pela inocência, ensinei-te da forma mais pura e altruísta que consegui.

Se reparares não te dei um único conselho, mas dei-te milhões de exemplos.

Ensinei-te a entrega incondicional.

O “fora-de-horas”, o “ a-qualquer-momento”, o “não-importa-mais-nada”.

Ensinei-te que a partida tem leveza, desde que intuída pela alma, e não interpretada pela mente. 

Ensinei-te que a luz impera sempre sobre a escuridão e que as bênçãos existem mesmo nas alturas em que a tristeza toma conta de nós.

Mostrei-te a força da tua fragilidade e a esperança que a todos consegues levar sempre que aceitas que as coisas são como são e não como gostarias que elas fossem.

E, no fundo sei que aceitaste que o que vivi foi o que tinha de ter vivido.

Não te confundas, Vóvó.

Podes até continuar a dormir agarrada ao meu Mickey, desde que saibas que nunca dele precisarás para chegares até mim.

Não fui, ESTOU.

Não fui, SOU.

Nenhum plano poderá separar o que um dia o AMOR uniu.

Abraço-Te na Luz maior,

Neturu (como me chamas na brincadeira)