Em miúda,
habituada a ver mal, apenas comecei a perceber que podia ver melhor a partir do
momento que os meus pais decidiram levar-me ao oftalmologista, que perentório
afirmou que a partir daquele dia nada seria igual. Finalmente ia ver o que
até á data não tinha visto.
E,
assim foi.
O
peso dos óculos era uma espécie de armadura contra o gozo daqueles que por
verem bem, não entendiam como é que alguém podia não ver e confesso que
invejava a nitidez com que avistavam o pó do giz sobre a secretária da professora
ou a mais mínima das letras no canto inferior do quadro preto, onde eu, focada
fazia tortuosas experiencias tapando ora um olho, ora outro,até concluir frustrada, que
mesmo com os óculos não via o mesmo que os outros viam.
Os
anos passaram. Continuei míope.
Aos
poucos o quadro preto foi sendo substituído pela tela em branco a que a vida me
ia convidando o olhar. As lentes que separavam os meus olhos do mundo, pareciam
pertencerem-me cada vez mais. As imagens outrora desfocadas foram sendo mais nítidas
e as experiencias tortuosas de querer ver o que não via, ora tapando um olho ou
tapando outro, foram sendo substituídas pela coragem de destapar ambos os olhos
e ver para além do que me era confortável.
Este foi
o momento que aceitei a minha miopia.
Chamei-lhe
lucidez.
Os anos passaram.
Sinónimo
de vida, cada ruga no meu rosto, talvez seja uma ilusão que perdi.
Ainda
que míope, desfocadas imagens foram contracenando com a nitidez que a minha
visão interior foi revelando á medida que ia vivendo experiências, tantas e tantas
vezes de olhos fechados.
É que
olhar não é ver.
A
vida acontece a cada milésimo de segundo, tudo está em constante transmutação, mesmo
quando nos queremos manter míopes para essa indubitável verdade.
Afinal
a mais dura miopia não vem dos olhos, mas sim da Alma.
A
prova disso é que hoje ao tirar os óculos olhei para o céu e apesar de não
conseguir ver a Lua, sei que ela não deixa de lá estar.
As
coisas são o que são.
Vê-las
não é sabê-las.
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