sábado, 29 de junho de 2013

Quando ver não é saber


Nasci míope.
Em miúda, habituada a ver mal, apenas comecei a perceber que podia ver melhor a partir do momento que os meus pais decidiram levar-me ao oftalmologista, que perentório afirmou que a partir daquele dia nada seria igual. Finalmente ia ver o que até á data não tinha visto.
E, assim foi.
O peso dos óculos era uma espécie de armadura contra o gozo daqueles que por verem bem, não entendiam como é que alguém podia não ver e confesso que invejava a nitidez com que avistavam o pó do giz sobre a secretária da professora ou a mais mínima das letras no canto inferior do quadro preto, onde eu, focada fazia tortuosas experiencias tapando ora um olho, ora outro,até concluir frustrada, que mesmo com os óculos não via o mesmo que os outros viam.
Os anos passaram. Continuei míope.
Aos poucos o quadro preto foi sendo substituído pela tela em branco a que a vida me ia convidando o olhar. As lentes que separavam os meus olhos do mundo, pareciam pertencerem-me cada vez mais. As imagens outrora desfocadas foram sendo mais nítidas e as experiencias tortuosas de querer ver o que não via, ora tapando um olho ou tapando outro, foram sendo substituídas pela coragem de destapar ambos os olhos e ver para além do que me era confortável.
Este foi o momento que aceitei a minha miopia.
Chamei-lhe lucidez.
Os anos passaram.                                                          
Sinónimo de vida, cada ruga no meu rosto, talvez seja uma ilusão que perdi.      
Ainda que míope, desfocadas imagens foram contracenando com a nitidez que a minha visão interior foi revelando á medida que ia vivendo experiências, tantas e tantas vezes de olhos fechados.
É que olhar não é ver.
A vida acontece a cada milésimo de segundo, tudo está em constante transmutação, mesmo quando nos queremos manter míopes para essa indubitável verdade.    
Afinal a mais dura miopia não vem dos olhos, mas sim da Alma.
A prova disso é que hoje ao tirar os óculos olhei para o céu e apesar de não conseguir ver a Lua, sei que ela não deixa de lá estar.
As coisas são o que são.
Vê-las não é sabê-las.  

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