Se
conseguíssemos viver a Vida, como ela se nos apresenta, isto é se fossemos
capazes de viver sem expectativas, projecções futuras ou desejos, seríamos
absolutamente felizes.
Com
isto, não quero dizer que deixaríamos de sentir dor.
A dor
existe para nos elevar a níveis mais subtis de nós mesmos, que só a sua vulnerabilidade
permite, logo não só é inevitável, como alquímica e profundamente
iniciática.
Já o
sofrimento advém do facto de não aceitarmos, nem a dor, nem as dinâmicas da
Vida tal e qual como elas se nos apresentam.
Assim
sendo, é evitável e opcional.
Ao
atravessarmos a dor, honrando-a como uma dádiva e não como um “erro-de-deus”,
poderemos com ela aprender lições incríveis.
Se
por outro lado nos opusermos impetuosamente aos acontecimentos que não estão ao
nosso alcance controlar, desgastamo-nos, perdemos grandes oportunidades de
aprendizagem e principalmente causamos grande sofrimento a nós próprios e a
quem nos rodeia.
Quando
aceite e integrada a dor, tem o seu tempo, as suas fases, mas como tudo na Vida…passa.
Já o
sofrimento muitas vezes resulta de um estranho apego à dor, pois mantê-la viva,
parece condensar em nós histórias que nos marcaram e às quais muitas vezes colamos
a nossa identidade.
Recordo-me
sempre daquele episódio da senhora que 25 anos após o marido ter saído de casa,
todos os dias colocava a aliança no dedo e maldizia o seu destino com aquele
homem.
A dor
tinha passado, mas ela precisava manter a mágoa, o sofrimento, numa tentativa
de não deixar morrer o que há anos já estava enterrado.
Se
pararmos para reflectir é fácil perceber que quando vemos um filme ele só
funciona, quando…não funciona.
Nele
tem de haver um drama, um imprevisto, algo capaz de criar suspense e nos fazer
vibrar.
Ora,
é exactamente isto que fazemos na Vida.
A
grande diferença está, que no filme, queremos imprevisto, suspense e enredo que
não acabe nunca ou se acabar que tenha um final feliz.
Na
nossa Vida, queremos um “bocadito-de-enredo”, de preferência que não nos enrede
em demasia, e definitivamente não queremos qualquer imprevisto.
Desejamos
permanência, numa natureza impermanente.
Previsibilidade,
quando somos governados por condições totalmente imprevisíveis e que fogem
totalmente ao nosso controle.
Esta
forma de nos posicionarmos, opõe-se totalmente ao fluxo natural da Vida.
Está
assim iniciada uma dura batalha, entre o nosso “desejo”, que obstinado quer que
as coisas sejam o que desejamos que elas sejam, e a Vida que naturalmente vence
sempre, mostrando-nos com inteligência, que elas são o que são, ainda que não o
que gostaríamos que fossem.
A
causa do todo o sofrimento é antes de mais, a grande falta de aceitação perante
aquilo que a Vida nos dá.
Na
verdade a chegada e a partida são dádivas divinas que nos acontecem para que nos
possamos cumprir.
No intervalo
entre uma e outra, acontece-nos a Vida.
A
Vida que somos.
Sempre.
Apesar
da dor e muito para além do sofrimento.
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