quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

ONDE É QUE SE ENFIARAM OS AMIGOS?

No sábado passado tive o privilégio de participar num encontro que teve como propósito reunir mães que perderam os seus filhos, promovendo a partilha de experiências para que, através da identificação o processo de luto seja dentro do possível, menos solitário e mais acolhedor.
Acompanhei a minha filha, participando como avó, e pude sentir de mais perto a dor da perda, o vazio, as incertezas, os medos, mas também alguma esperança de que a vida continua, mesmo quando uma parte de nós nos é retirada sem que nada possamos fazer para contrariar.    

Neste encontro, pude ainda saber que, uma pergunta que após a partida do Duarte, tantas vezes fiz, curiosamente (ou não) todas estas mães a fizeram também - onde se enfiaram os amigos que parece se evaporaram todos depois do funeral?

Relembrando a frase de Confúcio que diz, que para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça, pois no sucesso verificamos a quantidade e na desgraça a qualidade, hoje posso afirmar que esta frase me trespassou a pele e sei-a de cor porque a tenho vivido. 
Apesar de continuar sem entender a razão pela qual nestas alturas os “amigos” se afastam, pude finalmente sentir que esta não era uma questão só minha, mas sim uma questão relacionada com o próprio processo do luto e com a “incapacidade” que alguns ditos “amigos” parecem revelar perante acontecimentos duros, pouco floridos e nada fáceis de lidar.   

Ao que parece, uma parte de nós precisa de acreditar, que estes “amigos” se afastaram sim, mas com “boa-intenção”, ou melhor dizendo, sem que a mesma seja “má”, o que são coisas bem diferentes.
Seja lá o que for, que só cabe a cada um saber de si, o que me parece é que neste caso a acção se sobrepõe e muito á intenção.       

Como se apoiar o outro, por perder alguém, especialmente uma criança com doença oncológica, trouxesse agregada a si, uma tónica de contágio qualquer, capaz de relembrar a cada inspiração que a vida é mesmo fora do nosso controle, impermanente e cíclica, no fundo como toda e qualquer amizade cujo pilar não esteja assente na verdade.      

Confesso que após todas as partilhas foi ainda mais claro para mim, que um amigo não tem de ser quem muito fala, mas sim, quem sem falar se consegue fazer ouvir. Um amigo não é o que desaparece perante uma situação difícil, por não saber lidar com a mesma, mas sim o que sabe sair de si mesmo e das suas incapacidades para chegar ao outro a quem afinal chama…amigo.

Ninguém cura a solidão de ninguém, é um facto.
É verdade que, quando perdemos quem amamos, uma gélida solidão instala-se dentro de nós, um transtorno constante inquieta-nos, roí-nos, faz-nos doer e nada nem ninguém parece ter a fórmula de o fazer desaparecer.  
É verdade também que há uma impotência gigante que nos traz sentimentos de raiva, de revolta e até de zanga profunda com a vida. Mas, a verdade das verdades é que o apoio dos que nos rodeiam é balsâmico para atravessarmos a dor com algum aconchego.

Que bom que é saber que há coisas que os amigos sabem.
Sabem por exemplo, que não precisamos de dizer muito para que nos possamos entender, pois ambos já experienciámos que uma das mais duras solidões é mesmo a de não se sentir entendido. 
Muitas vezes, basta sentirmos que o outro está ali, que podemos falar se preciso for, ou nada dizer se isso for o que no momento nos é mais confortável.
Um amigo sabe que quem está do lado de dentro, a viver um processo desta natureza, talvez não dê agora o primeiro passo para tomar um café ou para jantar, como outrora o fazia.
Um amigo sabe, ou deveria saber (desculpem lá a minha presunção), que o primeiro passo agora lhe pertence, pelo menos até tudo voltar ao equilíbrio que a reciprocidade anterior sempre permitiu.
A amizade não se pedincha, não se compra, nem se vende.                        
Ou é, ou não é.
Se é, revela-se nas acções.
Se não é, é nas acções que se revela também! ~   

1 comentário:

  1. Gostei muito do seu texto. Isso acontece não só com a perda de filhos para a morte mas também com a perda de filhos para a "vida" : drogas, marginalidade, etc, situações horríveis que abalam e destroiem muitas familias e em que perguntamos: onde estão os amigos? pergunto mais: onde está a familia? os os primos? o padre que nos conhece? é isso tudo que escreve mas penso que há sempre alguém que fura essa barreira e rompe para se chegar a nós. E para mim há sempre Alguém maior do que eu e que nunca me abandona.

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